Texto escrito por Red Ribeiro
2019 chegou carregando uma carga muito grande de previsões ruins, nós não sabíamos — e ainda não sabemos — o que esperar do novo governo, fomos atingidos por uma onda de notícias horríveis, massacres e catástrofes que marcaram esse primeiro trimestre como um dos piores há muito tempo.
E em meio a toda essa tormenta, Liniker e seus Caramelows nos enfiaram um pouco de tranquilidade goela abaixo. O segundo disco do grupo chegou tímido mas não passou despercebido, até por que seria muito difícil deixar de notar algo tão perfeito.
Foram quase três anos desde o lançamento do “Remonta”, em 2016. O primeiro disco é um grande marco para a soul music nacional. Sem nenhum defeito, ele preparou o terreno para o legado do grupo, que continua mais vivo que nunca em seu segundo trabalho de estúdio.
O “Goela Abaixo” não é só um disco, ele conta a trajetória de uma paixão. Sabe quando você está lendo um livro e começa a ver a história de amor florescendo na sua imaginação? É esse o efeito que o disco causa.
A grande diferença aqui — e que deixa tudo muito mais gostoso — é que a música te leva pra um lugar onde livro nenhum vai conseguir. Você mergulha dentro do sentimento, ele se espalha por você, te abraça, esquenta seu coração e acalma as coisas. Eu sei que parece que eu estou viajando, mas você pode experimentar isso tudo agora, dá play aqui em baixo e vamos continuar conversando sobre os motivos que fazem do “Goela Abaixo” um dos maiores lançamentos da música brasileira nos últimos anos.
Em comparação com o primeiro disco, a produção agora chegou em outro nível, muito superior! O processo criativo foi mais curto, mesmo assim a sonoridade do disco vai além do que se esperava, “Brechoque” abre o disco de forma singela, sem nenhum instrumental, as vozes incríveis do grupo se misturam pra te dar um amor de presente. E aí vem “Lava”, onde fica claro que você está ouvindo um disco de soul — um pouco de R&B talvez — mas ai o refrão te joga no meio de um bloco de carnaval e te puxa de volta sem nem avisar. Parece uma bagunça, mas não é. É perfeito!
As duas primeiras faixas também deixam muito claro que Liniker é, sem sombra de dúvidas, uma das maiores vozes brasileiras atualmente. É difícil comparar o que você está ouvindo aqui com outros cantores nacionais, isso por que nenhum deles chegou nesse nível.
De “Beau” pra frente nós recebemos o melhor, as faixas se completam daqui pra frente, é como se você estivesse ouvindo uma música só. E sabe aquela coisa de ver a história acontecendo enquanto ouve? É aqui que a coisa fica intensa!
O disco é consistente, cria uma atmosfera de barzinho em torno de você, te arrasta pra um lugar com luz baixa onde você observa amores se desenrolando sem medo e sem preocupação. “De Ontem” e “Boca” vem carregadas de emoção, poesia pura, como todo bom disco de soul deve ser e ainda assim cheias de elementos brasileiros.
Um pandeiro discreto, um chocalho aqui e ali, um violão tímido… tudo encaixado perfeitamente entre saxofone, percussão e um baixo arrogante cheio de vida. As duas faixas também se completam por marcar o fim do primeiro ato, daqui pra frente a paixão fica intensa e a calmaria acaba.
“Bem Bom” traz os vocais de Mahmundi, talvez ela seja a outra metade, o alvo, aquele amor a primeira vista… eu não sei dizer como é que essa convidada se encaixa dentro da história, mas ela chega sem avisar e se encaixa perfeitamente. O amor cantado aqui é tão intenso que te deixa completamente sem ar, e é assim mesmo que deve ser, certo?
“Calmô” é a musicalização do sorriso que você dá quando olha pro seu amor. Sabe aquele sorriso que você nem percebe? Uma reação involuntária do seu corpo apaixonado, um jeito de dizer que agora tá tudo bem, você encontrou seu porto seguro, pode se deixar levar… o segundo ato do disco acaba com um “Textão”, um interlude sem instrumental que vai te arrastar de volta pra realidade com força e te deixar exposto pro final.
“Claridades” chega com um piano que a gente ainda não tinha ouvido, é sobre culpa, sobre ressentimento e sobre o fim das coisas bonitas que você viveu até agora. Cada verso é uma martelada no amor consistente que nós vimos crescer. No fim, ficamos só com os pedaços disso e dói…. “Amarela Paixão” continua a cutucar essa ferida, o fim veio de repente, não era pra ser assim! Mas ele veio e você vai ter que aprender a viver com isso.
“Intimidade” fala sobre tudo o que você não quer perder e na mania que a gente tem de insistir em tentar resgatar as coisas, assumir a culpa do que deu errado pra poder voltar a ter aquela alegria de novo. É a melhor música que eu já ouvi na vida, o piano do instrumental intensifica o poder vocal de Liniker que dá uma aula de como se faz música de verdade. É minha preferida do disco — e da vida.
“Gota” e “Goela” fecham o disco e deixam aquela vontade de viver tudo de novo. As duas músicas conversam muito bem entre si, a primeira arrasta o tempo, te mostra que o fim pode ser feliz mesmo se não for um conto de fadas e prepara o terreno pra um desfecho inesperado. “Goela” traz um sopro de alegria com a adição de um coral de mulheres em meio aos versos, a certeza de que a esperança não morreu e de que você vai poder viver isso tudo de novo.
Enfiar goela abaixo é fazer o outro te consumir inteiro, sem avisar, sem esperar… é saciar a urgência de um coração pulsante, se entregar por completo e abraçar o outro em plenitude. Não é só sobre amar profundamente, é sobre aprender como o outro funciona, criar expectativas, se frustrar e lutar pelo que te pertence, mesmo que não seja seu.