Baseado em Fatos Reais: o colapso da realidade e individualidade.

Aquele que é amante da sétima arte provavelmente já se deparou com o nome Roman Polanski, famoso diretor de thrillers psicológicos com grande influência no mundo cinematográfico, sendo suas obras ponto de referência quando se trata de qualidade e originalidade. Umas das obras mais influentes de Polanski são: O bebê de Rosemary (1968), Chinatown (1974) e A Pele de Vênus (2013) – filmes marcados por sua facilidade em criar uma atmosfera de tensão e sedução em conjunto com um maravilhoso desenvolvimento dos seus personagens sendo retratado pela carga psicológica que esses filmes acarretam.

E bom, em seu novo filme de produção francesa não é diferente; Baseado em fatos reais (2018) se preocupa em possuir uma irresistível atmosfera de aflição psicológica que atinge camadas desde uma ótima adaptação cinematográfica como uma análise psicológica mais completa da obra. O filme tem o roteiro assinado por Polanski e Olivier Assayas (do bom Personal Shopper e Acima das Nuvens) que entrega ao telespectador uma obra focada na arte como instrumento de crise e o artista à beira de um colapso. E, a artista em colapso da vez é Delphine Dayrieux (Emmanuelle Seigner), uma famosa escritora de best-sellers, que após fazer sucesso com a biografia da vida de sua mãe passa agora por um bloqueio criativo enquanto o público espera por mais obras de sucesso da tão querida escritora. E é nesse cenário desanimador que aparece Elle (nossa queridíssima Eva Green), uma escritora fantasma e sedutora mulher que acaba chamando a atenção de Delphine e se envolvendo em sua vida muito mais que o esperado.

Até aqui já dá para ter uma visão de como o enredo nos entrega algo intrigante e sedutor, uma vez que o filme se baseia na relação de duas mulheres primeiramente desconhecidas que iniciam um vínculo a princípio amigável com a proposta de ajudar Delphine com seu bloqueio criativo, mas ao longo da trama se demonstra cada vez mais uma relação abusiva e obsessiva. Eva Green sem dúvidas carrega o brilho da obra, incorporando a sedutora Elle que possuí uma forte personalidade de dominação, carisma e elegância. O enredo chega a incomodar em alguns momentos pela falta de expressividade da personagem Delphine (talvez intencionalmente, quem sabe) e sua forte posição de subordinação, aceitando condições intoleráveis nessa relação de dependência e submissão.

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E bom, analisando de maneira mais subjetiva a simbologia aplicada no filme, na criação da atmosfera percebemos em todas as cenas o uso do vermelho em contraste com o azul e tons de cinza. Seja o vermelho encontrado na pintura das paredes, numa peça de roupa ou até mesmo num pequeno detalhe que quase passa despercebido, mas sempre há a presença da cor vermelha. Ao início do filme, a cor vermelha é direcionada para Elle, sempre presente em suas roupas ou batom destacado e, algumas vezes associado a utensílios considerados como especiais para Delphine (como o cachecol de sua mãe e a caneca escrito “mommy, mommy”, que aparece várias vezes durante o processo de escolhas de Delphine sendo influenciada por Elle). Já do meio para o final, Delphine começa a incorporar o vermelho agora mais presente em suas roupas e utensílios, tanto que na cena final é a única vez que Delphine é vista usando esmalte e batom vermelho durante toda a trama. Outra simbologia interessante de ser analisada é a escolha do nome Elle (que em francês significa “ela”) e desde então já cria o questionamento de qual o objetivo de Elle desde os primeiros momentos do filme.

Não só na tensão e suspense psicológico e na simbologia do filme que Polanski demonstra seu puro talento e importância para o cinema, mas também na representação psicológica empregada no filme, na qual acompanhamos a vida de Delphine, que executa o papel de artista em crise tanto com sua arte quanto consigo mesma. E Delphine também se demonstra uma pura identificação de Elle, por isso adquirindo a posição de submissa às suas ordens, o que acaba deixando os outros aspectos de Delphine de lado e quase inexistentes na presença do poder que Elle exerce sobre ela demonstrando certa dose de desequilíbrio emocional.

E bom, mesmo que o filme seja uma adaptação de uma auto-ficção da autora Delphine de Vigan, Polanski emprega aqui sua visão da obra com certa liberdade, sempre capturando a original essência em vista dos personagens e desenvolvimento de roteiro. E foi o que acabou gerando opiniões contraditórias dentre os críticos, uma vez que Baseado em Fatos Reais nos traz um enredo já desenvolvido antes em filmes como “Persona” (Igmar Bergman – 1966) e “Clube da Luta” (David Fincher – 1999) no qual apresentam personagens em conflito consigo mesmos, o que resultou como abertura para que alguns críticos julgassem como um enredo “previsível”. E bom, mesmo não sendo uma das obras de destaque de Polanski, Baseado em Fatos Reais merece sim reconhecimento pelo belo papel que desempenhou em trazer mais uma trama interessante e bem desenvolvida para o mundo do thriller psicológico.

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